domingo, 12 de dezembro de 2010

A HISTÓRIA DA CRIANÇA NO BRASIL



A partir do fim do século XIX e começo do XX a palavra menor aparecia freqüentemente no vocabulário jurídico brasileiro. Antes desse período o uso desta palavra não era tão comum e apresentava um significado restrito.
Até o século XIX o termo “menor” era utilizado para apontar os limites etários que impediam os jovens de ter o direito à emancipação paterna ou assumir responsabilidades civis. Após a proclamação da Independência, o termo menor e menoridade foram utilizados para a determinar a idade e definir a responsabilidade penal das pessoas por suas atitudes. Entretanto é apenas no fim do século que surgem as casas de correção para menores.
O indivíduo qualificado como “menor” encontrava-se submetido ao pátrio poder até os 21 anos, porém a responsabilidade penal iniciava-se aos sete ou nove anos. Essas idades passavam a marcar a entrada na vida adulta. Caso o genitor estivesse ausente, criava-se a figura do tutor que possuía o papel de cuidar e administrar os bens desse indivíduo.
A partir de 1890 o termo “menor” passou a fazer parte do vocabulário judicial, a partir da inspiração dos modelos europeus e norte-americanos. Com isso, dois fatores interessavam os juristas: as instituições existentes para recolher e disciplinar crianças infratoras ou abandonadas e o estabelecimento e função dos tribunais da criança. Essas instituições surgiram em 1825 nos Estados Unidos e tinham a missão de regenerar a partir de uma disciplina rigorosa, além de adotar o trabalho físico e manual como elemento reabilitador, educador, disciplinador e formador de crianças infratoras e abandonadas. A escola, a fábrica e a prisão misturam-se num espaço e numa mesma disciplina que regula a vida da criança em torno do trabalho regenerador.
As “children courts” criadas em 1889 foram apresentadas como resultado do triunfo do humanitarismo em relação às crianças pobres tanto na Europa como nos Estados Unidos que tinha sido vítimas do sistema fabril; concedendo aos juízes o poder de intervir nas famílias pobres e nos chamados lares desfeitos. As crianças infratoras, órfãs ou membros de lares e famílias julgadas desajustadas deviam ser atendidas por especialistas. Na nova formulação, as crianças não nasciam infratoras, porém podiam ser afetadas por circunstâncias individuais ou sociais que inclinariam ao crime, podendo ser corrigida através da escola.
No final do século XIX, os juristas percebem o “menor” nas crianças e adolescentes pobres, que por não estarem sob a autoridade de seus pais são chamadas de abandonadas, passando a serem chamadas de “menores criminosos”.
Evaristo de Moraes, em 1900, diferenciava os tipos de abandono de menor: os materialmente abandonados e os moralmente abandonados; mas também os que são abandonados pelo Estado, que os ignorava e tratava como simplesmente caso de polícia. A imagem do menor é a criança pobre, totalmente desprotegida moral e materialmente pelos seus pais, tutores, o Estado e a sociedade. Os anos 20 e 30 com a decomposição da família e a dissolução do poder paterno, como os principais responsáveis de tal situação.
Os juristas apontavam a rua como o lugar da separação, onde se multiplicavam os vícios que ameaçavam a sociedade. A importância das condições de vida da modernidade no abandono das crianças serão aceitas como inevitáveis. São os pais de família cedendo aos vícios, não exercem sua autoridade e acabam corrompendo os filhos, são mulheres que trazem ao mundo filhos sem pai; estas estão minando a “ordem moral da sociedade”.
Deste modo, a criança ganha importância no campo jurídico, pois passa a ser enxergada como futuro, garantia de que será o capital humano que o capital industrial precisa para se reproduzir. A preocupação jurídica pelo menor se inscrevia tanto no projeto de restauração de formas de autoridade tradicional onde predominava o paternalismo, como na introdução de formas de tratamento do menor abandonado coerentes com a modernização.
Em 1895, o tratamento dispensado aos jovens apanhados pela polícia, eram as prisões. Mas não será a Casa de Detenção o único destino cruel dos infratores, que sem nenhuma possibilidade de recuperação são levados a delegacia. Assim os jovens eram tratados como caso de polícia, sendo confiados às mãos dos delegados para que “limpem” as praças, praias e parques, pois representavam perigo para os comerciantes e transeuntes. Isso fez com que o Estado criasse uma lei de proteção ao menor.
Em 1927 foi criado o Código de Menores com a idéia de destinar as instituições criadas a formar e educar, com o objetivo de prevenir a criminalidade do menor e do adulto. A prevenção por meio da assistência aos menores é uma estratégia mais eficaz do que a repressão. Essa prevenção tinha como objetivo tirar a criança da rua e colocá-la na escola, afastando o menor dos focos de contágio. As instituições educavam e formavam o caráter, por meio de um sistema de medidas preventivas e corretivas. Para se ter sucesso, exigia um plano de Assistência e Proteção à Infância, para tanto era necessário o surgimento de uma legislação que desse sustentação e removesse a inquestionabilidade do pátrio poder, para poder retirar o filhos de “pais viciosos” e o aumento da maioridade para 18 anos.
Assim a questão da criança abandonada e infratora deixam de ser caso de polícia, passando a ser uma questão de assistência e proteção, garantida pelo Estado através de instituições e utilizando serviços especializados.
Na passagem do século, “menor” deixou de ser uma palavra associada à idade, quando se queria definir a responsabilidade de um indivíduo perante a lei, para designar as crianças pobres e abandonadas.
A condição de desamparo material e moral definia, diferenciava e fazia com que as crianças que viviam nestas circunstâncias, fossem tratadas e protegidas pelo Estado.
A aparente ameaça da ordem social e o interesse em assegurar a modernização capitalista brasileira determinou um novo modelo de proteção à criança, marcado pelo restabelecimento da autoridade e confiança nas novas instituições de atendimento a este segmento.
A partir da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, as crianças brasileiras, sem distinção de raça, classe social, ou qualquer forma de discriminação, passaram de objetos a serem “sujeitos de direitos”, considerados em sua “peculiar condição de pessoas em desenvolvimento” e a quem se deve assegurar “prioridade absoluta” na formulação de políticas públicas e destinação privilegiada de recursos nas dotações orçamentárias das diversas instâncias político-administrativas do país.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069/90 que regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal que atribui à criança e ao adolescente, prioridade absoluta no atendimento aos seus direitos como cidadãos brasileiros. A aprovação desta Lei representa um esforço coletivo dos mais diversos setores da sociedade organizada. Revela ainda um projeto de sociedade marcado pela igualdade de direitos e de condições que devem ser construídas, para assegurar acesso a esses direitos. É, portanto, um instrumento importante nas mãos do Estado Brasileiro (sociedade e poder público) para transformar a realidade da infância e juventude historicamente vítimas do abandono e da exploração econômica e social.



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