domingo, 28 de novembro de 2010

"O MEU GURI"

Composição: Chico Buarque

Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar
Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!

Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!

Chega suado
E veloz do batente
Traz sempre um presente
Prá me encabular
Tanta corrente de ouro
Seu moço!
Que haja pescoço
Prá enfiar
Me trouxe uma bolsa
Já com tudo dentro
Chave, caderneta
Terço e patuá
Um lenço e uma penca
De documentos
Prá finalmente
Eu me identificar
Olha aí!

Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!

Chega no morro
Com carregamento
Pulseira, cimento
Relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar
Cá no alto
Essa onda de assaltos
Tá um horror
Eu consolo ele
Ele me consola
Boto ele no colo
Prá ele me ninar
De repente acordo
Olho pro lado
E o danado já foi trabalhar
Olha aí!

Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!

Chega estampado
Manchete, retrato
Com venda nos olhos
Legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente
Seu moço!
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato
Acho que tá rindo
Acho que tá lindo
De papo pro ar
Desde o começo eu não disse
Seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!

Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí
Olha aí!
E o meu guri!...(3x)


O Estado Neoliberal recompôs suas bases sociais na própria sociedade excluída, informal, como uma espécie de burguesias pobres, legais e ilegais. O novo Estado dependente conseguiu que muitos trabalhadores preferissem ser explorados a ser excluídos, o que levou Fernando H. Cardoso a dizer que o fenômeno que deve ser temido já não é a exploração, mas a exclusão.

DUPAS (1999:228) esclarece que “o novo modelo global continuará provocando a exclusão social. Essa conclusão parece verdadeira pelo menos quanto às tendências de aumento geral do desemprego formal e da flexibilização do trabalho.” Roborando o assunto, SINGER (1999: 31) afirma: “o desemprego estrutral, causado pela globalização, é semelhante em seus efeitos ao desemprego tecnológico”.

Apesar de existente algum tipo de ligação ao equívoco que a personagem da música vive em relação ao filho, se mostra evidente  um incontrolável sentimento de orgulho e vaidade que pais e mães sentem, quase que num rompimento com a crítica e a realidade…
A música, o “guri” nos remete a um menor delinqüente, um assaltante, talvez, mas o/a pai/mãe prefere se omitir em relação aos sinais que esse menor demonstrava, driblava a realidade, e, preferia defender o seu filho, ao buscar possíveis alternativas cabíveis para, pelo menos, uma tentativa de reverter tal situação.
Sendo assim, o presente poema trata claramente da discriminação social que infelizmente é muito comum nos dias atuais. Tanto mãe como o filho, são vítimas deste sistema social excludente, uma jovem despreparada que engravida, provavelmente, mãe solteira (“Quando, seu moço
Nasceu meu rebento/Não era o momento/Dele rebentar…”).
Sem experiência vai tentando cuidar do filho sem nem ao menos saber o que de fato esta fazendo (“Como fui levando/Não sei lhe explicar…”).
Dessa forma, o ciclo vai ficando vicioso, ela nem sabia ser mãe e nem dos dados oficiais fazia parte (“me identificar”), ou seja, socialmente não existia, assim como a mãe nunca foi mãe por que não sabia desempenhar esse papel, e o filho nunca foi criança pela realidade de vida teve que aprender a viver ao seu modo (“Eu o consolo/ ele me consola/Boto ele no colo pra ele poder ME NINAR/ SER MENINO/ Já que a vida o negou isto”).
 Diante disso, não é difícil buscar possíveis explicações para essa mãe preferir driblar a realidade. E o fim para esse “guri”, assim como para vários meninos/homens que podem facilmente se enquadrar nessa música, é um fim trágico, o vencer na vida chega às páginas de um jornal, “Menor morto (de papo pro ar) no mato, mas ele está lindo, pois descansou desta vida difícil e violenta, a notícia chega à mãe pelo jornal trazido por um policial ou autoridade “seu moço””.

A fome, a desigualdade e a exclusão social constituem alguns dos fatores condicionantes do crescimento da criminalidade. Todavia é necessário também afirmar que a dimensão e a continuidade da existência destes fatores revelam o quadro estrutural da violência no Brasil. Este contexto provoca mudanças culturais que enfraquecem valores importantes para convivência em sociedade.
 

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